É um absurdo que para a construção de uma estrutura de captação de energia a partir de um recurso natural com o argumento da sustentabilidade ambiental, estejamos a arrasar uma grande mancha de árvores adultas com importância crucial de sustentação de um solo produtivo e de nutritivo húmus.
Centenas de árvores, muitas delas espécies protegidas como sobreiros, azinheiras e carvalhos alvarinhos, estão a ser indiscriminadamente abatidas, com a finalidade de ser criada uma central de energia solar fotovoltaica no monte de Stª Catarina, em Famalicão.
Como ponto prévio e em jeito de declaração de interesse ecológico, afirmo de que não está em causa a produção de energia renovável, mas sim o que, neste caso, acarreta de prejuízo ambiental.
É um absurdo que para a construção de uma estrutura de captação de energia a partir de um recurso natural com o argumento da sustentabilidade ambiental, estejamos a arrasar uma grande mancha de árvores adultas com importância crucial de sustentação de um solo produtivo e de nutritivo húmus para a composição do coberto vegetal.
O referido monte, pela sua exposição geográfica na paralela à linha de costa, é o primeiro entrave à penetração das correntes marítimas funcionando como uma barreira de condensação responsável pelos elevados índices pluviométricos que aqui ocorrem e que contribuem decisivamente para a proliferação de espécies.
Acresce dizer, que devido ao grande declive de vertentes expostas a poente, precisamente de onde derivam as grandes massas de ar marítimas carregadas de humidade, este local desempenha um papel de equilíbrio e preservação de espécies únicas na região e funciona como sustento de vários ecossistemas na área envolvente.
Qualquer intervenção nesta área tem de ser cuidadosamente gerida, porque estamos perante um terreno de características particulares de uma sensível configuração orográfica.
Numa perspetiva produtiva e de eficiência energética, que importa também abordar, é sensato privilegiar a produção descentralizada com aproveitamento de locais desimpedidos e edificados - telhados, coberturas, empresas. Esta produção em pequena escala, do qual o nosso país tem imenso potencial, é mais eficiente porque acarreta menos perdas e é mais geradora de valores socioambientais porque fomenta atitudes comunitárias de transição energética.
No caso de recurso à produção centralizada em estruturas de maior dimensão – que implica sempre grande investimento e muitas vezes grande impacte - estas têm de ser construídas em locais improdutivos ou de baixo valor ecológico e devem ser precedidas de um estudo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) positivo. E aqui entra o recente diploma do governo designado por “Simplex ambiental” que é um retrocesso sem precedentes na proteção dos valores ambientais, dos recursos naturais e da qualidade de vida das populações, na medida em que isenta de AIA a implantação de parques solares, e outros, que ocupem menos de 100 hectares e projetados para áreas não sensíveis.
No local em apreço, estamos perante um projeto que se estende por uma área de superfície de 80 hectares, exatamente para desobrigação da avaliação, que irá devastar uma reserva ecológica de preservação de variadas espécies arbóreas e adulterar os condicionalismos da prática agrícola no vale, assim como, destruir um espaço aprazível e de lazer para as populações, que fazem deste percurso pedestre um miradouro de contemplação natural. Aqui nascerá, por imposição de alguém e sem qualquer fundamento justificativo, um território despido de vegetação e saturado de painéis numa imagem paisagística de repulsa visual e de indignação social. Estamos perante um crime ambiental de consequências imprevisíveis, que transformará a secular ligação de um monte de coberto natural com a identidade das aldeias circundantes, em solos estéreis, encobertos da exposição ao sol e com vertentes sujeitas à lixiviação da escorrência de água e a fortes enxurradas de inundação dos campos de cultivo.
A Câmara Municipal de Famalicão está a escusar-se a qualquer responsabilidade com o argumento de que se trata de um terreno privado e que quando o projeto deu entrada já estava autorizado pelo Instituto de Conservação da Natureza e Floresta (ICNF) e pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Para além deste ser um dos casos em que no mínimo devemos questionar a clareza do processo – até ao momento não são conhecidos os pareceres das entidades referidas -, é sabido que ninguém foi ouvido, nem sequer informado, num total desprezo da população afetada. A gestão de uma autarquia deve-se pautar por princípios de defesa dos interesses dos munícipes, pela salvaguarda do espaço ambiental e pela preservação dos recursos naturais. Nesse sentido, é exigido à autarquia que mobilize meios e competências institucionais para que a área de implantação possa ser considerada de ambientalmente sensível para que, no mínimo, seja elaborado uma Estudo de Impacte Ambiental (EIA).
É preciso avaliar, de forma integrada, as possíveis alterações ambientais e os impactes, diretos e indiretos, significativos no presente e no decorrer do tempo. Os estudos a realizar permitirão suportar a decisão sobre a viabilidade ambiental, ou não, e deverão ser acompanhados de auscultação à população como meio de participação pública nas decisões que lhes dizem diretamente respeito. A democracia dinâmica prima pelos atos de participação alargada e de transparência de atitudes e intentos, como legitimidade social das decisões e garantia dos direitos.