
Apenas com os votos dos partidos da coligação governamental, PSD e CDS-PP, foram aprovadas na passada quinta-feira, dia 24, alterações à Lei dos Baldios que, no ponto de vista do Bloco de Esquerda, contrariam a Constituição (art.º 80º, b) e art.º 82º, nº 1 e nº 4, b), constituindo um violento ataque aos baldios que, nas palavras de Aquilino Ribeiro, em “Quando os Lobos Uivam”, são dos povos a que pertencem “desde que o mundo é mundo” e “a serra é dos serranos”.
O uso comum de terrenos pelos vizinhos já é referido na compilação de leis chamada “Ordenações Afonsinas”, no século XV, e “Ordenações Manuelinas”, no século XVI.
Os baldios não constituem propriedade privada nem propriedade pública. São propriedade comunitária, da comunidade no seu conjunto e não de cada membro dessa comunidade.
Os baldios sempre foram e são importante fonte de riqueza para a vida das suas comunidades. O uso tradicional economicamente mais relevante era a pastorícia, sendo contudo também fundamental à sobrevivência dos povos o direito à exploração dos matos, das lenhas e da água.
Atualmente, a evolução tecnológica tem permitido outros usos agrícolas e florestais, sendo a instalação de parques eólicos uma dos novos recursos para os povos dos baldios que os gerem com base em princípios democráticos, de acordo com a Lei (assembleias de compartes e conselhos diretivos).
Para que se tenha noção da importância destes terrenos e no enorme apetite que despertam nos interesses privados, nomeadamente nas grandes empresas florestais e da celulose, importa referir que os baldios ocupam cerca de 500 mil hectares, o que corresponde a 5,55% do território nacional. No distrito de Braga, haverá aproximadamente 450 baldios que ocupam mais de 6 mil hectares, com maior importância em concelhos cono Terras de Bouro (1500 ha), Vila Verde (1400 ha), Amares (740 ha), Braga (700 ha), Vieira do Minho (460 ha), Guimarães (400 ha), Celorico de Basto (300 ha) ou Cabeceiras de Basto (175 ha).
A maioria governamental introduziu agora alterações à Lei dos Baldios que abrem a porta à privatização dos baldios e a uma crescente interferência exterior na gestão e usufruto desses terrenos. O objetivo evidente é o de procurar retirar a gestão dos baldios aos compartes e entregá-la às autarquias que poderão começar a negociar com entidades privadas, num processo progressivo de privatização e retirada desses terrenos às comunidades.
PRINCIPAIS ALTERAÇÕES À LEI DOS BALDIOS
Com a alteração à Lei, bastará alguém mudar a sua morada e recenseamento para a freguesia onde se situa o baldio para passar a ter direito a intervir e a participar nas decisões, mesmo que não tenha qualquer atividade agrícola no local, nem que a sua família, segundo os usos e costumes locais, tenha alguma vez usufruído desse baldio. Nas pequenas aldeias dos baldios, geralmente muito despovoadas, a manipulação das decisões sobre os baldios passa a ser um objetivo ao alcance de quem queira colocar em causa os interesses próprios dessa comunidade local.
Também a redação agora aprovada para o art.º 10º é inconstitucional, na parte em que admite que os baldios possam ser objeto de contratos de direito privado. Os baldios estão fora do comércio jurídico desde a lei 39/76 de 19 de Janeiro (art. 2º), e o seu domínio pertence aos membros da coletividade fixada sobre certo território, que estão entre si relacionados por vínculos sociais fixados pelos usos e costumes. Pode haver cessão de exploração por decisão dos compartes, mas, nos termos constitucionais e em condições normais, não deve haver arrendamento ou alienação (comércio jurídico), ao contrário do que as alterações agora introduzidas preveem.
Não ficando por aqui, o projeto de lei 528/XII/3ª, do PSD/CDS-PP, abre a possibilidade da própria extinção dos baldios (art.º 26º) ou da sua ocupação, pura e simples, pela Junta de Freguesia, sob o argumento do seu “não uso” durante determinado período de tempo. A extinção de um baldio determina, de acordo com a nova lei alterada, a sua integração no domínio privado da freguesia ou das freguesias em cujas áreas territoriais se situe o terreno baldio abrangido pela extinção, podendo a partir desse momento ser arrendado ou vendido a qualquer outra entidade.
A gravidade destas alterações poder-se-ia resumir ao facto de a nova lei abrir a porta ao aproveitamento de qualquer fragilidade na gestão de um baldio, no sentido do seu roubo à comunidade local e à sua privatização. O governo, ao invés de combater com medidas concretas o despovoamento e o envelhecimento demográfico dos territórios rurais, principais causas das dificuldades na gestão dos baldios, procura explorar essa realidade por forma a entregar esses terrenos à eucaliptização e a outras atividades por parte das empresas do ramo (veja-se a recente liberalização da plantação do eucalipto).
Em vez deste ataque aos baldios, o Governo devia ter adotado medidas de apoio à gestão e ordenamento dos baldios, sobretudo de apoio técnico, integrando essas ações no âmbito do novo Quadro Comunitário de Apoio, tendo em conta a importância dos baldios para a vida e a manutenção das populações nos territórios rurais.
A Coordenadora Distrital de Braga do Bloco de Esquerda defende o envio do diploma para o Tribunal Constitucional para apreciação preventiva da sua constitucionalidade e apoiará solidariamente as iniciativas dos povos dos baldios e das suas associações em defesa dos seus direitos comunitários.